quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

EMOÇÕES


... Rodeada de um jardim quase edílico, sento-me e oiço apenas os pássaros que por aqui circundam. Observo as boas condições desta instituíção, que já conheço há algum tempo.
Entro no edifício, bebo um café. No bar, sentados estão adultos especiais - pela pureza, pela docura, pelo diagnóstico... Um nome que carregam com eles e que dizem, dura por toda uma vida. Por momentos penseí nas suas mães, talvez nos tenhamos vestido da mesma cor, aquando da "sentença" que cedo nos transmitiram para o futuro dos nossos filhos. Algumas diferenças marcam no entanto as situações - o prognóstico: que difere desde os casos mais graves aos de "melhor funcionamento"; e o tempo: a evolução das coisas que ele arrasta consigo - a bem e muitas vezes a mal. Ainda assim, felizmente para as mães de hoje e sobretudo para aquelas cujos filhos têm melhor prognóstico, as coisas vão evoluíndo.
Olho discretamente para eles... um ou outro olha-me directamente, observa-me e ri. Depois um grito forte, alguma agitação e outro doce sorriso, que saído daqueles rostos de adulto/criança me invadem, provocando-me a mais terna sensação que não posso aqui descrever. Apetece sentar-me com um deles e tentar que nos comuniquemos. Falar a sua lingua, nem sei se é a mesma que a minha, por isso acobardo-me e deixo-me estar quieta.Por isso e porque não quero perturbar nada daquela paz harmoniosa que paira na sala de bar da instituíção que é a casa deles. Guardo as minhas vontades, amachucando-as dentro de mim como papel que não presta e deixo-me estar. Tinha tanto amor para dar-lhes... Ou talvez tudo isto sejam ilusões que a realidade do dia-a-dia com eles, me mostrasse ser diferente, caso eu pudesse ali trabalhar. Não seí e nunca sabereí. Mas sinto tanto amor por eles...
Também este "amor", confesso que muito provavelmente devo ao meu filho. Por ele os meus olhos viram já até hoje coisas que balançaram totalmente a vida rotineira, superficial e algo egoísta que por certo eu iria levar. Não quero aqui descrever ao pormenor, nenhuma dessas minhas vivências porque "desvirtuaría" a realidade, que muito mais que escrita por alguém, só mesmo vivida por cada um é que podería ser totalmente compreendida! Duvido, no entanto que fosse muito diferente o sentir como a vida é capaz de fazer-nos transpôr os mais duros obstáculos, sem esperarmos.
Na verdade sinto-me "dorida", mas também muito enrriquecida.
A primeira vez que vim a este local, vinha com o pai e com o Vasco. O assunto era ele... recordo a dor dilacerante que não me deixava sequer raciocinar, quanto mais ver alguma coisa...recordo que pouco ouvi do que me diziam as técnicas e pouco mais sentia que dormência e dor na alma, até ao fundo, ao mais fundo que se possa imaginar. Também vi os adultos - como hoje, o jardim, as instalações... tudo estava mais ou menos na mesma... tudo, menos eu e o pai, que perdidos no meio de um temporal sem fim, ainda punhamos a hipótese de que estar ali seria apenas um pesadelo do qual acordaríamos em breve, para contar um ao outro como passamos a noite.
Os adultos que hoje vi e pelos quais senti de imediato um doce carinho, recordo na altura me terem parecido profundamente alheados do chão onde eu costumava colocar os meus pés...
Passaram alguns anos, e cá estou eu mais uma vez, neste magnífico jardim, com um silêncio dos deuses que me dá espaço e tempo para pensar tranquilamente, arrumando as ideias e recapitulando bocados de vida. Felizmente com outras emoções. Emoções que evoluíram positivamente após muita luta interior, num caminho que ainda terá muito mais estrada a percorrer.
Hoje, de facto as emoções são outras, mas são sempre muito fortes emoções!
Saio daqui com um raciocínio mais lógico e com a certeza de que estas estruturas são necessárias. Saio também com a esperança e o sonho, de que a resposta para o meu menino virá a ser outra, e o sonho hoje vai comandando a minha vida.
De qualquer forma, vou com uma parte de mim vazia, um lamento profundo, porque apesar de os querer ver, como felizes ali, este inexplicável vazio que levo, contraria a ideia.
Observo-os e não posso dizer que saio daqui feliz porque pelo menos para estes adultos existem bons recursos... Na verdade desejava outra vida para cada um destes homens! Talvez seja certo e legítimo este meu sentir... ou talvez não. Ainda não consigo aceitar esta forma de autismo que aqui observo (grave), como apenas uma outra forma de ser... ainda não "evoluí" nesse sentido, nem sei se quero. Ainda mantenho os meus pés no chão, e penso que sei distinguir o que nos surge como dificuldade mas com esperança, de onde ela já não existe sob forma nenhuma.
Este autismo adulto (grave) deixa-me uma marca por achar que a sua impenetrabilidade e alheamento lhes roubaram muito desta vida. Deixa-me uma marca porque imagino em cada um deles, uma história familiar dolorosa e um futuro sem horizontes, nem expectativas.
Mesmo assim e no meu desespero em procurar o positivo, que acredito haver em todas as situações, encontro como privilégio só deles, o facto de que a tal impermeabilidade deles a esta vida, também os salvaguarda de irem conhecendo as coisas mais vís e sujas que por aí abundam, e como tal, naturalmente a felicidade também existirá nos seus corações, pelo menos em alguns momentos.

11 comentários:

Unknown disse...

Nesta vida minha amiga,o que mais me custa é sentir-me impotente perante certas situações,doi-me muito saber que nada se pode fazer!Podemos sempre continuar a ter esperança e olhar para a frente seguindo o caminho com um sorriso,pois muitas vezes só um simples sorriso vale mais que mil palavras...Beijos

Atena disse...

Um sorriso sincero e puro, como por exemplo os que tu tão bem sabes dar, valem mesmo muito mais que mil palavras! E há sempre coisas para fazer, pode não ser agora, mas se olharmos em volta há sempre algo de nós para dar, e faz tão bem dar, pena que grande parte das pessoas não percebe e nunca sente essa felicidade, é sinónimo de receber. E se receber é bom, dar é mesmo muito bom e tu sabes bem disso amiga.
Nunca te julgues impotente... por vezes a nossa humildade nem nos deixa ver a importancia daquilo que vamos dando aos outros. Especialmente tu, porque te conheço um bocadinho valioso... especialmente tu porque já senti em mim a força da tua alma... do teu apoio, do teu interesse nos outros, como é que te podes achar-te tão impotente? Mas na verdade eu percebo também esse sentimento de achar que se faz pouco... habita normalmente nos bons carácteres - modéstias à parte. Se cada um fosse fazendo aquilo que pode de consciencia, o mundo tornar-se-ia melhor. Acontece é que grande parte são pessoas insensíveis e até mázinhas, outra parte anda distraída e não vê nada mais que o seu umbigo... felizmente há uma parte de gente boa que vai fazendo a roda da vida girar e as coisas vão crescendo e surgindo como raios de sol. Não sei se estou certa, mas é assim que sinto...
Grande abraço, e beijinhos grandes para voces.
(Até breve)

*Lisa_B* disse...

Amiga linda,
já é a 3ª vez hoje que escrevo comentario e a net vai abaixo puxa vida...
Os outros eram longos este então será mais curto pela falta de tempo mas voltarei depois do natal para comentar este belo post. Triste, mas real e lindo.
Agradeço as palavras de carinho que me deixou e retribuo um Feliz Natal em paz, amor e harmonia.
Beijinhos com carinho

Fê blue bird disse...

Amiga:
O que posso dizer a não ser que sou mãe e também já sofri na pele muita dor e desilusão, mas também aprendi a olhar para o Mundo de outra maneira com mais compaixão, acho que até me tornei uma pessoa melhor.
Desejando-lhe um Natal cheio de Luz.
"Velho Menino-Deus que me vens ver
Quando o ano passou e as dores passaram:
Sim, pedi-te o brinquedo, e queria-o ter,
Mas quando as minhas dores o desejaram...

Agora, outras quimeras me tentaram
Em reinos onde tu não tens poder...
Outras mãos mentirosas me acenaram
A chamar, a mostrar e a prometer...

Vem, apesar de tudo, se queres vir.
Vem com neve nos ombros, a sorrir
A quem nunca doiraste a solidão...

Mas o brinquedo... quebra-o no caminho.
O que eu chorei por ele! Era de arminho
E batia-lhe dentro um coração..."

NATAL, de Miguel Torga

Beijinhos

Ninfa disse...

Olha este teu post é muito lindo, e muito emotivo, tem uma luz especial. ADORO-TE, é o unico comentário que posso fazer, tenho saudades de vocês, e quero te dizer, tu és especial, pelo menus para mim! Aqui ta a nevar e cada vez que vou á janela ver a neve vocês fazem sempre parte do meu pensamento, da minha emoção, queria tanto que estivessem aqui! Imagina só os vasquinho na neve com os primos e prima!!! Que emoção.......

Atena disse...

Olá meu doce... sim imagina-nos em cada floco de neve que vês pela janela... Pensa que estamos aqui, sem neve mas com muito frio e os pensamentos muito em vcs. No entanto sinto calma quando lembro vcs porque no fundo sei que estão bem. Para que também fiques tranquila digo-te que nós estamos bem... o Vascão está sempre em evolução e tem coisas muito engraçadas. Tenho a certeza que tb tem saudades tuas, mas nem lhe pergunto, porque não quero que fique triste. Digo-lhe sempre que foste de avião com os primos... ele talvez não perceba bem, mas ãlguma coisa percebe porque já não me pede para ir a tua casa. Fala em ti e nos primos, diz que vai ter prendas, e tb o nuno o luis e o gonçalo... Acho que le vai estranhar não estarmos juntos no natal a abrir prendas. Mas estaremos em pensamento. Que estejamos bem é o que mais importa. Ultrapassaremos as saudades porque somos feitas de aço.
Beijo grande e obrigado.

Maysha disse...

Amiga li o seu post que me tocou o coração. Lindo, emotivo , embora triste. Sinto-me impotente, não sei o que dizer, mas senti vontade de lhe dar um abraço e desejar um Santo Natal, com Paz e Amor, para si e para a sua familia.
Um beijo, com muito carinho
Isa

Atena disse...

Maysha, Isa... como me comoveu o seu comentário. Algumas pessoas criticam este mundo virtual, talvez porque não o experimentaram ainda. Os afectos por aqui sentem-se na realidade e fazem bem. Não se sinta impotente porque por certo sempre faz alguma coisa por um mundo melhor. A mim fez-me bem neste preciso momento, sentir um abraço sincero, mesmo que virtual. Quem sabe se torne um dia mais físico... é apenas um pormenor e uma questão de oportunidade. Muito, muito obrigada amiga, e estou por aqui para ir dizendo o que sinto mas também para ouvir os outros.
Abraço e beijinho

Sandra disse...

Depois de ler este teu post não sabia... nem sei ainda... o que dizer... é tanta a impotência. A única coisa que me conforta é perceber, pelos comentários que aqui vão deixando, que não estás sozinha neste "jardim". Há tantos braços que se vão esticando. Podes contar tmb com a minha mão para passear neste "jardim quase edílico". Fé no futuro...muita!

Desejo, do fundo do coração, um FELIZ NATAL!!

Um abraço e um beijo

Atena disse...

Querida Sandra,
é sempre tão bom sentir-vos por aqui... Felizmente é bem verdade que sempre existem mãos abertas para nós, e não são mãos vulgares, são sempre mãos de pessoas maravilhosas, como tu também. A impotência perante aquilo que não pudemos mudar pesa em nós e por vezes prende-nos as mãos! Mas perante muitas outras situações, pode-se sempre fazer alguma coisa, mesmo que nos pareça pouco, por vezes vale muito. Tenho muita fé no futuro e tenho quase como previlégio ser mãe nos dias de hoje, porque embora ainda existam muitas dificuldades, o caminho vai-se fazendo,mesmo que lentamente. Antigamente, estas situações, particularmente as mais graves, eram escondidas, sem nenhum tipo de terapias, apoios nem tratamentos... talvez a isso também se deva o facto de hoje existirem os tais adultos institucionalizados e com sintomas bem graves do problema... Não tenho a certeza, mas acredito que eles, teriam outra situação, caso tivessem tido a oportunidade de ter algum apoio e tratamento. Não há curas ainda, mas actualmente há imensas hipóteses de que a vida deles seja o melhor e mais autónoma possivel se existirem caminhos que se possam seguir, e se o autismo não for do mais grave. Pelo menos, vivo nesta fé inabalável e lutareí até ao fim, até onde pudermos ir, Sandra. Aceitareí o que Deus quizer para mim e para o meu menino, mas tenho muita fé mesmo que ele quer o melhor, ele tem-nos dado tanto e nós temos sabido viver cada dádiva com uma alegria enorme. Talvez seja este o segredo para ter momentos felizes... Perder quase tudo num momento e ir ganhando aos poucos cada graõzinho de areia que para tantas pessoas não significa nada, e a nós soa a milagre divino e enche-nos o coração. Quase parece espírito de "pobre" mas na verdade chama-se valorizar as coisas mais simples da vida, agradecendo por isso a cada instante.
Obrigada amiga Sandra, Desejo-te um muito feliz Natal, e um ano novo cheio de alegrias para ti, tua menina e restante familia.
Abraço forte

Anónimo disse...

É assim que sinto todas as Mães! A Atena parece não ser exceção:
"A decisão de ter um filho é muito séria. É decidir ter para sempre o coração fora do corpo" Elizabeth Stone.
Que mais dizer... Força!
Lena

 
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