
A 02/02/2002, nascia o nosso primeiro filho... não muito programado, mas desde logo, completamente adorado por todos. Preparamos o quarto, o enxoval... tudo ao pormenor. Tanto eu como o pai, estavamos na mais completa gravidez e tão felizes que aqui não se pode explicar. A gravidez correu muito bem. O parto nem tanto... O Vasco nasceu depois de 12 horas de trabalho de parto infrutífero, que resultou na opção médica do uso de ventosas e fórceps. Não chorou, tinha o cordão umbilical enrrolado ao pescoço e o tempo de espera fez com que o índice apgar fosse baixo à nascença. Recuperou mais tarde para valores normais, mas foi-me dito que apenas mo entragaríam no dia seguinte porque iriam vigiar o seu estado. Pude , no entanto ver, como era perfeito e belo, o meu bébé louro e muito branquinho. Estava exausta e o pai animou-me minutos depois do parto, dizendo-me que já o tinha visto e que ele já tinha recuperado. Chorava de emoção e disse-me que de entre muitos bébés reconheceu o Vasco de imediato quando o foi ver. Não admira, porque ele é uma autentica cópia do pai.Quando mo foram levar e ficamos a sós, olheí-o, admireí a sua beleza, a calma com que dormia... "verifiqueí " se tinha todos os dedos, se não faltava nada - acho que muitas mães o fazem! No fim não me contive e choreí desalmadamente, sem saber porquê... As companheiras de quarto nada me disseram e continueí até uma enfermeira entrar e me perguntar o que tinha? Pedi-lhe que me deixasse chorar, não sabia o que tinha, apenas pensava, como ia eu ser capaz de cuidar dele, parecia-me uma responsabilidade maior que eu própria! O tempo foi passando e juntos - eu e o pai, revelamos ser uns pais razoávelmente bons - O Vasco era uma criança muito feliz, alegre, sorridente, brincalhão... Até aproximadamente os 18 meses. A partir dessa idade, começou a fixar-se na televisão, e a ser muito peculiar com a comida - tinha de ser tudo sempre passado ao pormenor. De resto pouca coisa indiciava que se tratava de uma criança com Autismo. Ainda hoje vou ver gravações nossas e em nada revejo algo que tal nos pudesse indicar. A grande pista foi o facto dele não desenvolver a fala - iniciou algumas palavras, que com o tempo foi perdendo. Fui duas vezes à pediatra e ela própria, apesar da sua imensa experiencia com crianças, me dizia, que cada um tem os seus tempos e que 2 anos não era tarde para começar a falar. Dizia que ele tinha um crescimento excelente e que era um menino muito saudável. Mas o meu coração não estava tranquilo (ainda que muito longe da realidade)... Falamos de novo e para despistar eventuais problemas de audição, consultamos um especialista. Nessa tarde, onde nem foi necessário efectuar o exame, caiu-me a mundo em cima... O Vasco, já com 2 anos e 8 meses fez uma "cena" daquelas de filme, com gritos, esperneios e tudo à mistura, que não deixou margem para duvidas à Drª. Não mo quis dizer claramente, sugeriu uma consulta de desenvolvimento, porque suspeitava do que seria. Foi uma querida, deu-me 2 contactos de médicos especialistas indicados - Um seria num hospital e poderia demorar meses, mas era gratuito, o outro era privado, seria mais rápido, mas bem mais caro. Claro que optamos pelo privado. Quem é que conseguiria esperar mais do que um dia? Ficamos as duas sózinhas e acabou por dizer-me a palavra: AUTISMO! Saí do consultório, meio anestesiada, tentando assimilar a suspeita... acheí que a Drª. estaría enganada e que tudo seria resolvido na consulta, que consegui de imediato marcar para o outro dia! Faleí com o pai no carro, estavamos de rastos, só queríamos que tudo fosse um sonho (pesadelo). Chegados a casa a noite foi de pesquisas na net... Não queria acreditar, mas as evidencias pareciam ser muito fortes, quanto mais lia, mais percebia que autismo, podia ser muito bem o que o meu menino tinha... Já no consultório do especialista, foi confirmado que o Vasco tinha Perturbação do Espectro, ainda era muito novo para um prógnostico definitivo, tinha brechas que também soavam a Asperguer... com o tempo se veria... O Médico, foi positivo, firme, discretamente amigo: Disse-nos vamos em frente, estes meninos melhoram muito, não se pode baixar os braços, vamos começar tb com ligeira medicação e terapias... Pouco consegui ouvi-lo, a minha cabeça estava a rebentar, parecia-me mentira...Seguiram-se meses de análises, consultas genéticas, RM, avaliações... tudo normal, mas o nosso menino tinha cada vez mais birras, e regredia as aprendizagens de forma radical! Eu e o pai, quase morremos, distanciamo-nos, para cada um hibernar no seus casulos e digerir a dor à sua forma - estamos juntos porque soubemos respeitar o momento, e certamente porque o amor é demasiado forte...
Fui ao médico porque queria morrer e percebia que não podia! Trateí-me a tempo e lentamente fomo-nos levantando. Custa lembrar tudo isso, custa recordar os consultórios cheios de tanta criança com diferentes perturbações e a coragem para enfrentar tudo isso era nula... Os seus pais com a dor estampada no rosto! Choreí demais porque leveí muito tempo a pensar que estava a sonhar! Sempre me sensibilizaram muito estas questões, e era a minha vez de estar no mesmo lado, com o meu menino. Felizmente entramos de mãos dadas no caminho certo do optimismo, da aceitação, do amor incondicional, de uma declaração conjunta de guerra a tamanho obstáculo... e juntos continuamos!
O Vasco tem 8 anos, as evoluções foram e são tremendas, mas a luta continua e sei que continuará sempre enquanto eu e o pai vivermos. A luta maior não é contra o autismo, é apenas para ir superando as dificuldades que o mesmo lhe impõe no dia a dia, ensinando-lhe que a vida também é bela... A Luta maior é mesmo pelos direitos deles na sociedade, pelo respeito das pessoas pelo que é diferente mas rico, pela integração destes seres tão especiais e importantes na vida de todos nós. Eles estão cá porque são importantes, por agora poucos se apercebem disso: os pais (que passam a ver a vida de outro prisma e reconhecem valores e força que até então jamais conheciam); os professores e profissionais empenhados (que ficam "presos" a eles por um elo que não é mais que puro amor ao próximo); os amigos especiais e as pessoas fantásticas que se vão cruzando no nosso caminho... um mundo de coisas únicas... mas um mundo ainda muito pequeno! É nosso dever lutar por fazer esse mundo maior, fomos "escolhidos" para ser pais especiais talvez porque temos um caminho a percorrer, pelo nosso filho e também por todos estes meninos, jovens e homens, lindos! Falta tanta coisa, há tanto para fazer, mas entendo que é este o nosso caminho e aceito-o, pedindo apenas que Deus nos continue a dar a luz e força que necessitamos para prosseguir.
Preocupa-me o desamparo de pais que porventura sózinhos nesta caminhada não conseguem ver uma luz, somos nós que devemos ir até eles. Existem muitos factores - facilitadores ou não da fortaleza dos pais - e este é um ponto crucial para o melhor sucesso destes meninos. Quem vai conseguindo superar esta dor, deve sentir isso como um privilégio, uma sorte, reconhecendo-o atravez da mão amiga que possa dar a outros pais. Por mim digo: como teria eu suportado, sem um grande homem a meu lado (como muitas mães que conheço)?; Como teria eu suportado se não fosse vendo o meu menino a evoluir positivamente?; Como teria eu suportado se não fosse o apoio sincero e valioso de professoras do ensino publico que o amam ao mesmo tempo que o ensinam?; Como teria eu suportado se não pudesse proporcionar-lhe tantas e tão caras terapias? É nisto tudo que penso, e são estas as coisas que fazem diferença... Só somos fortes até um limite e sózinhos é impossivel. Por isso, compreendo todos os pais, todas as formas que têm de encarar a situação, e o meu objectivo é apoiar incondicionalmente o que para mim é uma causa... Que cada vez menos pais sofram o embate inicial sem apoio, é um lema para mim, porque os pais são o elo mais forte e os nossos meninos precisam deste elo, saudavel e capaz para os orientar, apoiar e ajudar em todos os momentos.