A entrada do Vasco para uma creche privada ocorreu quando ele tinha cerca de dois anos e meio. Tinha estado com a avó e com as primas, mas era tempo de iniciar uma nova etapa. Entrou fácilmente no privado - a simpatia de todos, as excelentes instalações, os horários, os tempos de férias mais coadugnados com a realidade, e o suposto maior cuidado individual para com cada criança, seduziram-nos para a opção educativa no privado. Pouco tempo após a sua entrada, e no seguimento de algumas consultas e suspeitas, fomos informados que o nosso filho seria uma criança diferente.
Pensamos que a creche lhe viesse a fazer bem... (Autismo era uma palavra ainda distante do nosso léxico e da nossa vida).
Ele já tinha entrado e como tal manteve-se por lá. Tenho até hoje a perfeita convicção de que a saberem préviamente, ter-me-iam dito que não tinham vagas.
Percebi a incapacidade de resposta, mas principalmente, sobressaíu um total desinteresse pelo assunto, camuflado pela hipocrisia de algumas reuniões para delimitar imediatas estratégias pedagogicas. Na realidade, o mais que sentimos inicialmente foi a pena das pessoas... e não era isso que necessitavamos. Olhavam-nos como um caso perdido, uns coitados condenados a algo sem solução...
Depois, revelou-se o incómodo que crianças diferentes começam a causar a uma empresa que tem que gerir ganhos, lucros, pessoal e interesses e cujas crianças que a frequentam devem manifestar sucesso, de preferencia em todas as àreas - afinal todas deverão vir a ser individualidades bem sucedidas! Para muita gente este é o segredo da felicidade dos filhos, e um principio básico de marketing é dar aos clientes aquilo que os alimenta e lhes alimenta os sonhos... (Até compreendo).
Senti tudo menos o que tivesse verdadeiramente a ver com a vontade de integrar um menino diferente, de lhe proporcionar algum bem estar na sua diferença, de alargar os ensinamentos da diversidade social e humana, a todas as crianças vendo nisso uma oportunidade vantajosa para todos, porque tudo faz parte da vida e uma coisa enriquece a outra, não a invalida, muito menos a prejudica! Talvez o mais impressionante tivesse sido mesmo a reacção de outros pais - a meu ver os maiores insensíveis e na mais pura das ignorancias para com pais como nós! Estavam interessados - (quase que obcecados), no "Q.I" que os filhos pudessem ter, que fossem o mais desenvolvidos possivel. Alguns olhavam-nos como "personas non gratas"! Chegaram a insinuar-me que a situação estava insustentável porque a maioria dos pais queixava-se! Tudo numa tremenda hipocrisia - diplomáticas e com etiqueta, mas que cheiravam a pobreza de espírito, escudando-se numa falsa vontade de ajudar... Aguenteí tudo porque não tinha onde pôr o meu filho e não podia perder o meu emprego, não podia desorientar-me! Procurava alternativas mas havia que esperar a abertura do ano lectivo da escola publica - muito mais acolhedora, mesmo com todas as falhas! O cerco foi-se apertando, o Vasco gritava e mordia - fruto do seu problema e de certeza que também resultado de um meio pouco acolhedor, pois claro!
Começaram a pô-lo a um canto... Disse-me um dia uma mãe - anos depois - que o levavam para o sótão e que achava mal... mas nunca me abordou na altura, nem para prestar-me essa informação, nem para nada. Hoje penso que talvez tenha sido melhor que não mo tenha dito e também dispensava que mo tivesse dito agora! (Desconfio sempre da intencionalidade de pessoas de caracter duvidoso, quer pelas suas atitudes, quer pela falta delas).
O que Sei é que o deixava lá a chorar e quando o ia buscar, era também assim que o encontrava. Questionava o dia a dia do meu filho e a resposta era um estranho "correu tudo muito bem"!
Quase desespereí! Num momento em que pessoalmente tudo me era tão dificil assimilar, também tinha de suportar a sensação daquilo que se designa por exclusão social pura e dura. Conseguimos mais tarde (com a ajuda fantástica da prof. de ensino especial actual e de sempre), que uma educadora de ensino especial visitasse a creche 2 horas por semana, como mandava a lei. Na maior parte das vezes não podia ir porque estava doente; nas vezes em que ia, dizia-me que era complicado porque não lhe facilitavam condições e o menino não aderia ao apoio... Entendo ter sido má vontade de ambas as partes (talvez mais de uma parte do que de outra, mas negligencia de ambas, sobretudo um grande desinteresse).
A nossa "salvação" e do noso filho foi a querida professora de hoje e a entrada num Jardim Infantil da rede publica. Nem tudo eram rosas acreditem, mas em nada tinha a ver com aquela "miséria" onde tinhamos que pagar cerca de xxx euros/mes para deixar o nosso filho a regredir cada dia mais.
Hoje suspiro de alívio por tudo ter passado há muito, mas não esqueço a experiencia...
Embora não seja correcto generalizar, não recomendo a escola privada a nenhuma mãe que tenha um filho com necessidades especiais... e confesso que para mim, uma escola que não acolhe bem uma determinada criança, é incapaz de acolher bem, qualquer outra que seja! No entanto, admito que talvez possa ser uma boa opção para alguns pais... Penso que dependerá daquilo que cada um procura dar aos seus filhos. É só parar para analisar e fazer a dificil escolha.
Uma coisa garanto, as diferenças são muitas. Para mim particularmente, sem nenhuma sombra de dúvidas - A opção é a escola publica. (É um serviço prestado, não é uma empresa).
12 comentários:
Cristina, já tinha colocado este comentário,num outro blogue, repassou para aqui.
Acrescentando aqui só mais um pózinho da minha experiência, que aos poucos iriei recuar no tempo no Aspie's blog e colocarei lá a fase escolar, que ao ler o sotão, lembrei-me da casinha do Ambrósio, para quem não sabe é um laboratório com um esqueleto (agora imaginem)?!...
Reiteiro, praticamente tudo o que esta mãe escreve.
E lamento profundamente, que o caminho ainda esteja assim.
Que eu tenha tido conhecimento, o meu filho nunca foi mal tratado no particular, onde só esteve a frequentar a infantil e a pré-primária, embora o colegio particular que frequentava na altura tivesse até 6ºano naquela altura, foi-nos proposta a porta da saída, para não terem trabalho com uma criança diferente, quando a nossa intenção julgavamos nós que no ensino particular estivesse mais protegido, engano nosso...
Mas este caso já tem quase 20 anos, e ao que constato pouco mudou.
Desde dos 6 anos até aos 22 frequentou a escola pública, com muitos altos e baixos, com uns a integrar e outros rejeitar, até os pais acho que não mudaram e continuam ignorantes.
Nem sei que mais diga,será que quase nada mudou...
bjocas vocês
Ainda assim acredito que o caminho vá melhorar, pelo menos nas fases menores...
Querida Cristina fico triste e zangada com esta tua descrição... como é possível ?! Como é possível que tão tamanha ignorância ainda permaneça nos corações e nas cabeças de tantas pessoas.
A Mariana anda num colégio particular pelas razões que tu descreves na 1ª parte do teu post... no entanto regozijo-me pq o colégio onde a minha filha anda tem vários meninos "diferentes", como tu lhes chamas, desde a trissonomia 21 ao autismo passando até por situações mais complicadas.
Na sala da Mariana há um menino que tem uma dificuldade com a fala. Qnd entrou para a escola há 3 anos não se lhe ouvia uma palavra, agora já lê. Há tmb um menino com autismo e tmb é notória, nos trabalhos expostos na escola, a sua evolução.
O que noto é uma maior atenção das auxiliares e das professoras com estas crianças. E alegra-me também verificar que mesmo da parte das outras crianças existe um carinho maior uma protecção destes amigos. Ajudam a pendurar a mala, a subir as escadas... sei lá... são tantas as situações a que já assisti... é de deixat a "boca aberta". Eles... os outros meninos e meninas... conseguem integrá-los tão bem. Ás vezes mt melhor que os adultos, pq não vou negar, já ouvi comentários de pais que nunca imaginaria que os fizessem ( no sentido de que o colégio não devia admitir crianças "diferentes"). No entanto, penso que na sua grande maioria os pais aceitam e acarinham mt bem estes meninos.
Pessoalmente, regozija-me como já disse que o colégio ensine estas crianças. E não me canso de relembrar a minha filha de que hoje somos o que somos, amanhã não sabemos... é importante mostrarmos-lhes outras vidas... outros caminhos... que existem diferenças. Isso é educar.
Um abraço e um beijo
Em minha opinião, essa é a opção certa. Faria o mesmo raciocínio.
Ainda bem que o tirou de lá!
O meu filho, agora com 6 anos e com PEA, andou dos 2 aos 6 anos num colégio privado, onde já andava o irmão. Entrou sem diagnostico médico, mas com o diagnostico da mãe a dizer que achava que ele era autista. Tive a colaboração das educadoras em despistar o problema e concordaram comigo que algo se passava. Foi diagnosticado e encaminhado. Da parte do Colégio tive sempre toda a disponibilidade em abrir as portas para as terapias que ali quisesse fazer e fiz. O meu menino foi sempre muito acarinhado por todos, desde funcionários a crianças e pais das mesmas. Quando soube o diagnostico, na primeira reunião de pais, após tal, disse o que se passava, expliquei o que era e pedi a colaboração de todos. Já conheciam o meu filho, gostavam dele e alguns até achavam estranho ele ter algo "não se nota nada" diziam alguns. O colégio já tinha experiência de ter acolhido outras crianças diferentes ( o meu filho mais velho tinha na sala uma criança "diferente"). Nunca senti que não era ali desjada, pelo contrario sempre me deram palavras de alento e optimismo. Não tenho dúvidas em afirmar que o ambiente ali encontrado foi meio caminho andado para a evolução do meu filho. Ainda bem que há colégios assim!
Actualmente está na escola pública, perto de casa (pedi um ano de adiamento e está no pré, para se adpatar à mudança de escola e adquirir alguma maturidade). A escola é muito boa, as educadoras são optimas, quer a de ensino regular, quer a de ensino especial. Parece que tenho tido sorte e assim espero continuar!
Boa sorte para vocês e um abraço.
Maria Anjos
Olá Mina,
Esta situação, não é felizmente geral. Existem boas respostas, conforme podemos constatar, pelos outros comentários aqui colocados. Tudo isto tem principalmente a ver com as pessoas, com a sensibilidade de cada um. Os meios técnicos são importantíssimos, mas a base, é a sensibilidade de quem lida com estas crianças, porque uma das coisas que mais precisam é de paciencia, amor, aceitação e muita calma. Tive a dificuldade destes assuntos ligados às diferenças, serem desconhecidos naquele colégio em concreto. E também não deve ter ajudado o facto de ter sido essa a altura em que a noticia nos foi dada e caímos completamente numa angustia tremenda. O desconhecimento também gera respostas erradas, mas tenho a sensação que se tivesse havido maior sensibilidade as coisas tinham resultado bem melhor. Não me aborreci directamente com ninguém, tudo era muito diplomático como descrevi - excepto o meu filho que demonstrava bem a sua insatisfação. Também não teria muita capacidade na altura para confrontos, o que eu queria era tirá-lo dali e direccioneí as minhas energias para esse caminho. Não quero acreditar que o tenham alguma vez tratado mal, mas sei que estava perfeitamente negligenciado e sei que preferiam que saísse, porque de uma forma simples mo foram dizendo, especialmente quando me deram a entender que haviam muitas reclamações de outros pais e que a coisa estava a ficar insustentável. Fico na duvida se seriam as reclamações ou se não era bom para eles, terem um menino diferente para o qual nem sensibilidade havia, quanto mais possibilidade de arranjar meios.
Acima de tudo Mina, queria que acreditasse que as coisas estão de certeza melhor do que há 20 anos. Creio que haverão sempre pessoas mais receptivas que outras à inclusão, mas as pessoas vão evoluíndo. Actualmente, por exemplo, sinto-me muito feliz pela forma como o meu filho passa os dias na escola, rodeado de gente boa, a começar pelas crianças... Claro que como digo nem tudo são rosas, mas no geral posso dizer que tudo corre muito bem o que me dá muita fé para pensar que o futuro só pode vir a ser cada vez melhor.
Grande abraço,
Querida Sandra:
"... Educar é isso."
Sim também penso como tu Sandra, afinal em que é que a diferença pode prejudicar? Não consigo perceber. O que percebo é que a diferença também gera medo em muitos pais e por vezes o medo afasta como a sarna! Mas não a todos, apenas aos mais ignorantes. E até esses podem ir "crescendo" com o tempo, assim haja a tão falada SENSIBILIDADE. Sinto-me perfeitamente à vontade para falar de sensibilidade porque sempre a tive - quer antes de ser mãe, quer depois. Por isso falo sempre com convicção em relação a outros pais menos "compreensivos". Mas cada vez estes, vão sendo menos e por isso sinto muita esperança no futuro. Como digo, haverão sempre pessoas que nos fecham a porta, mas as que nos abrem e abraçam a situação connosco, são as importantes, e valem muitíssimo mais. Digo isto de pleno coração porque, felizmente é a minha experiencia que tu até conheces bem... Uma única pessoa, faz a diferença e leva outras a olhar a diferença com outros olhos... a entender, que no fundo ninguém é igual - somos mesmo é todos diferentes.
De qualquer maneira, registo a forma especial como o colégio da Mariana educa todos os seus meninos e fico muito feliz.
Abraço forte
Olá Mel, Obrigada por vir até aqui:)
Gosteí muito de ler o que escreveu, porque acima de tudo reflecte uma boa experiencia em relação ao seu menino e comprova-me uma vez mais que as coisas estão mesmo a evoluir e no bom caminho. No entanto, penso que também teve uma pitadinha de sorte em encontrar tantas "rosas pela sua estrada fora". Mais sorte ainda, a do seu menino que assim só pode evoluir muito. Hoje também vivo nesse "mar de rosas" na escola e também os pais (no geral) são acolhedores, e o que é certo é que o meu Vasco sobe degraus quase todos os dias! E eu sinto aquela felicidade que só a tranquilidade dos nossos filhos estrem bem, trás. Para mim, o que lá vai, lá vai. Quero cada vez ouvir menos contar estas histórias e outras piores que já ouvi... e acredito que assim será.
Um abraço e venha sempre, sabe bem ter amigos e partilhar experiencias.
Olá Carlos,
Muito gosto de o ler por aqui... Também eu "consumo" muito na sua "casa" :)
Além dos assuntos pertinentes que sempre coloca, gosto da sua perspicácia e da ousadia de alguns temas. Outros põem-me a rir e isso é optimo.
Sobre esta minha experiencia, já quase não pesa em mim, e expô-la ainda a faz ficar mais leve.
Um abraço
Olá Cristina
Afinal hoje devo estar mesmo em dia não... :0)Saber da falta de sensibilidade por parte de profissionais que deveriam ser os primeiros a aceitar e fomentar a diversidade deixa-me mesmo muito decepcionada. Escolher a educação é abraça-la no seu todo e não só poder ver os aspectos cor de rosa do lucro!!...(?)Se é que uma instituição pode ter o lucro como meta...deveria então optar por outro "negócio"!! Lamento imenso a sua experiência inicial.
De facto a sensibilidade está em cada um, não vem anexo ao certificado de habilitações, mas é pena, pois dessa forma situações como as que refere não existiriam. Continuo a ouvir muitas vezes muitos profissionais (mesmo especializados em educação especial) queixarem-se da falta de meios. De facto são muito importantes mas eles não são nada se não formos profissionais sensíveis... A qualquer criança sem excepção!! Quem não reconhece a diferença como uma mais valia dificilmente é um bom educador!!
E acredite, conheço alguns com poucos recursos mas que fazem cada dia uma dádiva!
É nesses que me revejo e que tento igualar em cada dia, acreditando que só pode ser esse o caminho a seguir!!
Amiga:
O que relatou não me surpreende,criam-se creches privadas cheias de "condições estéticas" mas é só fachada, aquilo é feito para dar lucro, falo porque sei pois tenho uma pessoa na minha família que tem uma assim.
Devem ter x pessoas com licenciatura e formação em educação de infância , mas não têm, porque querem pagar pouco aos empregados.
Todas as crianças "que dão mais trabalho" não podem entrar naquele sistema.
E aos pais têm que trabalhar, não têm alternativas pois no público há sempre uma enorme lista de espera.
Sei que já passou mas as feridas ficam sempre, só porque há pessoas que não têm um pingo de sensibilidade.
Um beijinho
Sem comentários!!!Não consigo perceber, muito menos aceitar esta falta de ética, de profissionalismo por parte de "colegas" (se é que os posso de chamar assim)...
Mas pior que tudo, o que me revolta é a falta de sensibilidade para trabalhar com crianças...tenham elas alguma problemática associada ou não...
Qualquer criança sem excepção deve ter o melhor, tanto a nível material...mas acima de tudo a nível pessoal/sentimental...
Um grande abraço
Minha querida imagino o que passaram.Não minha amiga, nem consigo imaginar, penso que realmente só podemos avaliar as situações quando as vivemos.
Não compreendo como alguem pode fazer diferença entre crianças, é cruel, revela apenas uma má formação moral.
As crianças dão o exemplo aos adultos, cooperam, estão prontas para ajudar.
Prefiro pensar que é a ignorancia e não a maldade, que leva os pais e alguns "educadores" a descriminarem as chamadas crianças diferentes, que são na realidade uns seres maravilhosos, com quem temos muito a aprender, se estivermos atentos, se as olharmos com os olhos da alma.
Felizmente que o Vasco agora está bem entregue e que adquiriu estabilidade. É um descanso e um conforto para si, querida amiga, que já tanto sofreu.
Um miminho para o Vasco e um beijo terno ppara si Atena, bom fim de semana
Isa
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