(Pediatra do desenvolvimento; Dir. Centro Desenvolv. Infantil Diferenças)
- É este o médico que inicialmente acompanhou o Vasco e que hoje gostamos de consultar esporádicamente; foi no seu consultório que se desenvolveram as primeiras terapias, e foi ele a primeira pessoa a dar-nos alguma esperança e a incutir-nos que desde os primeiros momentos temos de arregaçar mangas e lutar! Foi este médico que nos confirmou o diagnóstico, e tivemos sorte em ter sido este, porque o fez da maneira mais correcta que já alguma vez ouvi. Foi este médico e foi assim, talvez porque também ele é pai... e é pai precisamente como nós somos. Por isso, e pela importancia que isso têve na altura para nós, estou e estar-lhe-ei sempre grata, Dr. Miguel)!
- É este o médico que inicialmente acompanhou o Vasco e que hoje gostamos de consultar esporádicamente; foi no seu consultório que se desenvolveram as primeiras terapias, e foi ele a primeira pessoa a dar-nos alguma esperança e a incutir-nos que desde os primeiros momentos temos de arregaçar mangas e lutar! Foi este médico que nos confirmou o diagnóstico, e tivemos sorte em ter sido este, porque o fez da maneira mais correcta que já alguma vez ouvi. Foi este médico e foi assim, talvez porque também ele é pai... e é pai precisamente como nós somos. Por isso, e pela importancia que isso têve na altura para nós, estou e estar-lhe-ei sempre grata, Dr. Miguel)!
"Se a coisa importante é a utilidade social temos de começar reconhecendo que a criança é inútil, E Entre nós inutilidade é nome feio. Já houve tempo em que ela era a marca de virtude.
O pai orgulhoso e sólido olha para o filho saudável e imagina o futuro. – Que é que você vai ser quando crescer? Pergunta inevitável, necessária, previdente, que ninguém questiona.
– Ah! Quando eu crescer, acho que vou ser médico!
A profissão não importa muito, desde que ela pertença ao rol dos rótulos respeitáveis que um pai gostaria de ver colados ao nome do seu filho (e ao seu, obviamente)... Engenheiro, diplomata, advogado...Imagino um outro pai, diferente, que não pode fazer perguntas sobre o futuro. Pai para quem o filho não é uma entidade que «vai ser quando crescer», mas que simplesmente é, por enquanto... É que ele está muito doente, provavelmente não chegará a crescer e, por isso mesmo, não vai ser médico, nem mecânico nem ascensorista.
Que é que seu pai lhe diz? Penso que o pai, esquecido de todos «os futuros possíveis e gloriosos» e dolorosamente consciente da presença física, corporal, da criança, aproxima-se dela com toda a ternura e lhe diz: «Se tudo correr bem, iremos ao jardim zoológico no domingo...»
É, são duas maneiras de se pensar a vida de uma criança. São duas maneiras de se pensar o que fazemos com uma criança.
– Ah! Quando eu crescer, acho que vou ser médico!
A profissão não importa muito, desde que ela pertença ao rol dos rótulos respeitáveis que um pai gostaria de ver colados ao nome do seu filho (e ao seu, obviamente)... Engenheiro, diplomata, advogado...Imagino um outro pai, diferente, que não pode fazer perguntas sobre o futuro. Pai para quem o filho não é uma entidade que «vai ser quando crescer», mas que simplesmente é, por enquanto... É que ele está muito doente, provavelmente não chegará a crescer e, por isso mesmo, não vai ser médico, nem mecânico nem ascensorista.
Que é que seu pai lhe diz? Penso que o pai, esquecido de todos «os futuros possíveis e gloriosos» e dolorosamente consciente da presença física, corporal, da criança, aproxima-se dela com toda a ternura e lhe diz: «Se tudo correr bem, iremos ao jardim zoológico no domingo...»
É, são duas maneiras de se pensar a vida de uma criança. São duas maneiras de se pensar o que fazemos com uma criança.
Eu me lembro das propagandas curtinhas que se fizeram na televisão, no ano da criança deficiente, para provar que ainda havia alguma esperança, para dizer que alguma coisa estava sendo feita. E apareciam lá, na tela, crianças e adolescentes, cada um excepcional a seu modo, desde síndrome de Down até cegueira, e aquilo que nós estávamos fazendo com eles... Ensinando, com muito amor, muita paciência. E tudo ia bem até que aparecia o ideólogo da educação especial para explicar que, daquela forma, esperava-se que as crianças viessem a ser úteis socialmente... E fiquei a perguntar-me se não havia uma pessoa sequer que dissesse coisa diferente, que aquelas escolas não eram para transformar cegos em fazedores de vassouras nem para automatizar os portadores de síndrome de Down para que aprendessem a pregar botões sem fazer confusão... Será que é isto? Sou o que faço? Ali estavam crianças com necessidades especiais, não-seres que virariam seres sociais e receberiam o reconhecimento público se, e somente se, fossem transformados em meios de produção. Não encontrei nem um só que dissesse:
«Com esta coisa toda que estamos fazendo, esperamos que as crianças sejam felizes, dêem muitas risadas, descubram que a vida é boa... Mesmo uma criança especial pode ser feliz. Se uma borboleta, se um pardal e se uma ignorada rãzinha podem encontrar alegria na vida, por que não estas crianças, só porque nasceram um pouco diferentes...?»Voltamos ao pai e ao seu filhinho. Que temos a lhes dizer?
Que tudo está perdido? Que o seu filho é um não-ser porque nunca chegará a ser útil socialmente? E ele nos responderá:
«Mas não pode ser... Sabe? Ele dá risadas. Adora o jardim zoológico. E está mesmo criando uns peixes, num aquário. Você não imagina a alegria que ele tem, quando nascem os filhotinhos. De noite nós nos sentamos e conversamos. Lemos estórias, vemos figuras de arte, ouvimos música, rezamos... Você acha que tudo isto é inútil? Que tudo isto não faz uma pessoa? Que uma criança não é, que ela só será depois que crescer, que ela só será depois de transformada em meio de produção?
«Com esta coisa toda que estamos fazendo, esperamos que as crianças sejam felizes, dêem muitas risadas, descubram que a vida é boa... Mesmo uma criança especial pode ser feliz. Se uma borboleta, se um pardal e se uma ignorada rãzinha podem encontrar alegria na vida, por que não estas crianças, só porque nasceram um pouco diferentes...?»Voltamos ao pai e ao seu filhinho. Que temos a lhes dizer?
Que tudo está perdido? Que o seu filho é um não-ser porque nunca chegará a ser útil socialmente? E ele nos responderá:
«Mas não pode ser... Sabe? Ele dá risadas. Adora o jardim zoológico. E está mesmo criando uns peixes, num aquário. Você não imagina a alegria que ele tem, quando nascem os filhotinhos. De noite nós nos sentamos e conversamos. Lemos estórias, vemos figuras de arte, ouvimos música, rezamos... Você acha que tudo isto é inútil? Que tudo isto não faz uma pessoa? Que uma criança não é, que ela só será depois que crescer, que ela só será depois de transformada em meio de produção?
E eu me pergunto sobre a escola... Que crianças ela toma pelas mãos?
Claro, se a coisa importante é a utilidade social temos de começar reconhecendo que a criança é inútil, um trambolho. Como se fosse uma pequena muda de repolho, bem pequena, que não serve nem para salada nem para ser recheada mas que, se propriamente cuidada, acabará por se transformar num gordo e suculento repolho e, quem sabe, num saboroso chucrute. Então olharíamos para a criança não como quem olha para uma vida que é um fim em si mesma, que tem direito ao hoje pelo hoje... Ora, a muda de repolho não é um fim. É um meio. O agricultor ama, nas mudinhas de repolho, os camiões de cabeças gordas que ali se encontram escondidas e prometidas. Ou, mais precisamente, os lucros que delas se obterão... utilidade social.
Reconheçamos: as crianças são inúteis...
Entre nós inutilidade é nome feio. Já houve tempo, entretanto, em que ela era a marca de uma virtude teológica. Duvidam? Invoco Santo Agostinho, mestre venerável que declara em De Doctrina Christiana: «Há coisas para serem usufruídas e outras para serem usadas». E ele acrescenta: «Aquelas que são para serem usufruídas nos tornam bem-aventurados.» Coisas que podem ser usadas são úteis: são meios para um fim exterior a elas. Mas as coisas que são usufruídas nunca são meio para nada. São fins em si mesmas. Elas nos dão prazer. São inúteis.Uma sonata de Scarlatti é útil? E um poema? E um jogo de xadrez? Ou empinar papagaios?
Inúteis.
Ninguém fica mais rico.
Nenhuma dívida é paga.
Por que nos envolvemos nessas actividades, se lhes faltam a seriedade do pragmatismo responsável e os resultados práticos de toda actividade técnica? É que, muito embora não produzam nada, elas produzem o prazer.
O primeiro pai fazia ao filho a pergunta da utilidade: «Qual o nome do meio de produção em que você deseja ser transformado?» O segundo, impossibilitado de fazer tal pergunta, descobriu um filho que nunca descobriria, de outra forma: «Vamos brincar juntos, no domingo?»
Claro, se a coisa importante é a utilidade social temos de começar reconhecendo que a criança é inútil, um trambolho. Como se fosse uma pequena muda de repolho, bem pequena, que não serve nem para salada nem para ser recheada mas que, se propriamente cuidada, acabará por se transformar num gordo e suculento repolho e, quem sabe, num saboroso chucrute. Então olharíamos para a criança não como quem olha para uma vida que é um fim em si mesma, que tem direito ao hoje pelo hoje... Ora, a muda de repolho não é um fim. É um meio. O agricultor ama, nas mudinhas de repolho, os camiões de cabeças gordas que ali se encontram escondidas e prometidas. Ou, mais precisamente, os lucros que delas se obterão... utilidade social.
Reconheçamos: as crianças são inúteis...
Entre nós inutilidade é nome feio. Já houve tempo, entretanto, em que ela era a marca de uma virtude teológica. Duvidam? Invoco Santo Agostinho, mestre venerável que declara em De Doctrina Christiana: «Há coisas para serem usufruídas e outras para serem usadas». E ele acrescenta: «Aquelas que são para serem usufruídas nos tornam bem-aventurados.» Coisas que podem ser usadas são úteis: são meios para um fim exterior a elas. Mas as coisas que são usufruídas nunca são meio para nada. São fins em si mesmas. Elas nos dão prazer. São inúteis.Uma sonata de Scarlatti é útil? E um poema? E um jogo de xadrez? Ou empinar papagaios?
Inúteis.
Ninguém fica mais rico.
Nenhuma dívida é paga.
Por que nos envolvemos nessas actividades, se lhes faltam a seriedade do pragmatismo responsável e os resultados práticos de toda actividade técnica? É que, muito embora não produzam nada, elas produzem o prazer.
O primeiro pai fazia ao filho a pergunta da utilidade: «Qual o nome do meio de produção em que você deseja ser transformado?» O segundo, impossibilitado de fazer tal pergunta, descobriu um filho que nunca descobriria, de outra forma: «Vamos brincar juntos, no domingo?»
6 comentários:
Querida Atena, adorei este texto do Dr. Miguel Palha. Confesso que não tenho a mesma admiração por ele mas reconheço que o facto de também ter sido pai de uma criança especial o faço ter uma visão mais humana da nossa situação. Apesar de tudo, o novo diagnóstico de Essence faz-me muita confusão... Quando lá levei o meu filho, depois do Dr. Lobo Antunes afirmar que se tratava de uma PEA ligeita e depois do Dr. Pedro Caldeira dizer que não é autismo mas sim uma imaturidade neurológica, encontrar um novo termo (o tal Essence) era tudo menos o que precisava... Lembro-me que na altura até sai de lá feliz e contente - "Aposto a minha carreira como este miúdo vai ficar bem"/ "Tem aqui um miúdo excepcional"/ "Isto não é autismo"/ "O Bill Gates em pequeno devia ser muito parecido". Perguntei na altura: "Mas quer dizer o quê, que vai ser Asperger?" ao que ele me responde: "Nem sequer isso". Bem, na altura ele tinha 2 anos e meio, agora tem 4 e ainda continua com muitos problemas visíveis...e confesso que agora tenho mais dúvidas que na altura se de facto ele será "uma tal peça produtiva da sociedade" (apesar de cada vez me importar menos com isso e mais com ele dar as tais gargalhadas e ser feliz). Já ouvi também outros casos (o do Pai, com o seu Guilherme por exemplo) que ele afirmou tratar-se de uma PEA ligeira que pela primária já estaria ultrapassada. Ora como sabe o Guilherme já está na primária e ainda não fala. Se devemos encorajar os pais a lutar pelos seus filhos e nunca desistir, se até entendo que num momento como o do diagnóstico nós pais estamos fragilizados e precisamos de um empurrãozinho para ter esperança (até porque a verdade é que ninguém pode ter certezas sobre as evoluções e há casos que são quase verdadeiros milagres), não entendo que se dê falsas esperanças ou ilusões. Senão o que acontece é que mais cedo ou mais tarde os pais levam com outro balde de água fria...
Um beijinho
Athena, é lendo o que uma pessoa escreve é que passamos a conhece-la. Te vi comentar lá na Mina e como eu hj tenho um tempinho(quase não sobra nenhum) vim até aqui.
Fiquei emocionada com sua escrita. Voce escreve bem e nã oé só isso voce faz a a gente refletir e conconcordar com ela.
O que importa não é Athena se eles vão ser ou não quando crescer. O meu mesmo está com 27 anos,pra mim ele tá formado na pintura. E pronto, tô feliz assim. Ele vai casar? Eu acho que não, provavelmente nunca. Mas é uma opção dele. Não vou questionar.
O que ele vai ser , já é, tá definido. Não houve choros da minha parte e nem do pai. Ficamos bem com ele. E ele é nosso ensino, nossa alegria. A mina também tá feliz com Bruno. E assim vamos vivendo.
O seu texto me dá esperança de no futuro não haverá mais questionamentos. è uma visão muito linda! Parabéns querida, eu gostei muito de ler-te!
Ray
Querida Rainbow, percebo bem o que diz, quanto à menor admiração que eventualmente algumas pessoas nutrem pelo Dr. M. Palha. Conheço-o das inumeras consultas e pelos aproximadamente 3 anos de terapias que o meu filho lá fazia. O Dr. Palha é algo inconstante no trato. Não é um homem commum. Muitos gostam, e muitos mais detestam. Pessoalmente tenho coisas boas e menos boas que recordo dele. No fim das contas somo tudo e o saldo é positivo, porque ele foi fundamental no momento da confirmação do prognóstico. Creio que foi sensivel e ponderou a melhor forma de nos dar uma noticia dificil. Hoje olho para trás e sinto uma gratidão enorme só por isso. Tinha sido dramático ter-nos dito as coisas de forma diferente. Foi muito importante dizer-nos o melhor... dizer-nos que acreditava que poderia ser asperguer, que tinha potencial... que tinhamos de arregaçar mangas e lutar... que tinhamos muito trabalho a fazer em casa... que iriamos ver melhorias. Dar-nos fé foi fundamental. Lembrar que se os pais caiem nesses momento, cai tudo e não se ajuda a criança! Só por isto, hei-de sempre sentirme grata para com ele.
Amiga Ray, sabe bem tê-la por aqui!
(O texto foi escrito pelo Dr. Miguel Palha, e eu coloquei aqui porque me revejo totalmente com as suas palavras.
Abraço forte e beijinhos grandes para si e seu filho.
É um caminho longo, difícil, mas, com certeza, colherão muitas flores.
Boa semana.
Querida Rosa, sem duvida que o caminho não tem sido facil... mas temos tido muitas pequenas coisas boas. Não penso muito no amanhã (receio), espero sim, poder continuar a faze-lo, da mesma forma e a ir colhendo umas quantas flores bonitas, como até aqui... e a saber valorizar bem, cada una delas. Grata pelo seu carinho.
Até breve e beijinho grande
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