quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

UM OUTRO PAI

Escrito por Miguel Palha  
(Pediatra do desenvolvimento; Dir. Centro Desenvolv. Infantil Diferenças)
- É este o médico que inicialmente  acompanhou o Vasco e que hoje gostamos de  consultar esporádicamente; foi no seu consultório que se desenvolveram as primeiras terapias, e foi ele a primeira pessoa a dar-nos alguma esperança e a incutir-nos que desde os primeiros momentos temos de arregaçar mangas e lutar! Foi este médico que nos confirmou o diagnóstico, e tivemos sorte em ter sido este, porque o fez da maneira mais correcta que já alguma vez ouvi. Foi este médico e foi assim, talvez porque também ele é pai... e é pai precisamente como nós somos. Por isso, e pela importancia que isso têve na altura para nós, estou e estar-lhe-ei sempre grata, Dr. Miguel)!


"Se a coisa importante é a utilidade social temos de começar reconhecendo que a criança é inútil, E Entre nós inutilidade é nome feio. Já houve tempo em que ela era a marca de virtude.
O pai orgulhoso e sólido olha para o filho saudável e imagina o futuro. – Que é que você vai ser quando crescer? Pergunta inevitável, necessária, previdente, que ninguém questiona.
– Ah! Quando eu crescer, acho que vou ser médico!
A profissão não importa muito, desde que ela pertença ao rol dos rótulos respeitáveis que um pai gostaria de ver colados ao nome do seu filho (e ao seu, obviamente)... Engenheiro, diplomata, advogado...Imagino um outro pai, diferente, que não pode fazer perguntas sobre o futuro. Pai para quem o filho não é uma entidade que «vai ser quando crescer», mas que simplesmente é, por enquanto... É que ele está muito doente, provavelmente não chegará a crescer e, por isso mesmo, não vai ser médico, nem mecânico nem ascensorista.
Que é que seu pai lhe diz? Penso que o pai, esquecido de todos «os futuros possíveis e gloriosos» e dolorosamente consciente da presença física, corporal, da criança, aproxima-se dela com toda a ternura e lhe diz: «Se tudo correr bem, iremos ao jardim zoológico no domingo...»
É, são duas maneiras de se pensar a vida de uma criança. São duas maneiras de se pensar o que fazemos com uma criança.
Eu me lembro das propagandas curtinhas que se fizeram na televisão, no ano da criança deficiente, para provar que ainda havia alguma esperança, para dizer que alguma coisa estava sendo feita. E apareciam lá, na tela, crianças e adolescentes, cada um excepcional a seu modo, desde síndrome de Down até cegueira, e aquilo que nós estávamos fazendo com eles... Ensinando, com muito amor, muita paciência. E tudo ia bem até que aparecia o ideólogo da educação especial para explicar que, daquela forma, esperava-se que as crianças viessem a ser úteis socialmente... E fiquei a perguntar-me se não havia uma pessoa sequer que dissesse coisa diferente, que aquelas escolas não eram para transformar cegos em fazedores de vassouras nem para automatizar os portadores de síndrome de Down para que aprendessem a pregar botões sem fazer confusão... Será que é isto? Sou o que faço? Ali estavam crianças com necessidades especiais, não-seres que virariam seres sociais e receberiam o reconhecimento público se, e somente se, fossem transformados em meios de produção. Não encontrei nem um só que dissesse:
«Com esta coisa toda que estamos fazendo, esperamos que as crianças sejam felizes, dêem muitas risadas, descubram que a vida é boa... Mesmo uma criança especial pode ser feliz. Se uma borboleta, se um pardal e se uma ignorada rãzinha podem encontrar alegria na vida, por que não estas crianças, só porque nasceram um pouco diferentes...?»Voltamos ao pai e ao seu filhinho. Que temos a lhes dizer?
Que tudo está perdido? Que o seu filho é um não-ser porque nunca chegará a ser útil socialmente? E ele nos responderá:
«Mas não pode ser... Sabe? Ele dá risadas. Adora o jardim zoológico. E está mesmo criando uns peixes, num aquário. Você não imagina a alegria que ele tem, quando nascem os filhotinhos. De noite nós nos sentamos e conversamos. Lemos estórias, vemos figuras de arte, ouvimos música, rezamos... Você acha que tudo isto é inútil? Que tudo isto não faz uma pessoa? Que uma criança não é, que ela só será depois que crescer, que ela só será depois de transformada em meio de produção?
E eu me pergunto sobre a escola... Que crianças ela toma pelas mãos?
Claro, se a coisa importante é a utilidade social temos de começar reconhecendo que a criança é inútil, um trambolho. Como se fosse uma pequena muda de repolho, bem pequena, que não serve nem para salada nem para ser recheada mas que, se propriamente cuidada, acabará por se transformar num gordo e suculento repolho e, quem sabe, num saboroso chucrute. Então olharíamos para a criança não como quem olha para uma vida que é um fim em si mesma, que tem direito ao hoje pelo hoje... Ora, a muda de repolho não é um fim. É um meio. O agricultor ama, nas mudinhas de repolho, os camiões de cabeças gordas que ali se encontram escondidas e prometidas. Ou, mais precisamente, os lucros que delas se obterão... utilidade social.
Reconheçamos: as crianças são inúteis...
Entre nós inutilidade é nome feio. Já houve tempo, entretanto, em que ela era a marca de uma virtude teológica. Duvidam? Invoco Santo Agostinho, mestre venerável que declara em De Doctrina Christiana: «Há coisas para serem usufruídas e outras para serem usadas». E ele acrescenta: «Aquelas que são para serem usufruídas nos tornam bem-aventurados.» Coisas que podem ser usadas são úteis: são meios para um fim exterior a elas. Mas as coisas que são usufruídas nunca são meio para nada. São fins em si mesmas. Elas nos dão prazer. São inúteis.Uma sonata de Scarlatti é útil? E um poema? E um jogo de xadrez? Ou empinar papagaios?
Inúteis.
Ninguém fica mais rico.
Nenhuma dívida é paga.
Por que nos envolvemos nessas actividades, se lhes faltam a seriedade do pragmatismo responsável e os resultados práticos de toda actividade técnica? É que, muito embora não produzam nada, elas produzem o prazer.
O primeiro pai fazia ao filho a pergunta da utilidade: «Qual o nome do meio de produção em que você deseja ser transformado?» O segundo, impossibilitado de fazer tal pergunta, descobriu um filho que nunca descobriria, de outra forma: «Vamos brincar juntos, no domingo?»

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O MAIOR AMOR

Recordo ter dito à enfermeira da sala de partos, na noite do nascimento do Vasco, que nunca mais me apanhariam ali. Disse-o convicta, mas em desespero de causa dado que o momento estava a ser insurportávelmente doloroso! A verdade é que realmente nunca mais me apanharam por lá, e provavelmente nunca mais me apanharão! No entretanto destes quase 10 anos, o desejo de ser de novo mãe quase me conseguiu demover daquela convicção dita instintivamente na maternidade, mas não foi suficientemente forte para se sobrepôr aos medos... E eles foram e são tão grandes... (tão imensamente maiores que o desejo)!
Recordo antes de ser mãe, pressentir a "fraqueza" inerente a esse ser - um filho afigurava-se-me como algo grandioso, (talvez demasiado grande)! Parecia-me uma responsabilidade única, algo que não se pode ser de animo leve. Um filho representava para mim, eventualmente o feito mais sério da vida - Ser reponsavel pela formação e criação de um novo ser; deixar o eu para um plano secundário que jamais retorna ao seu lugar. Esta intuíção, fazia-me pensar que seria mãe um dia, mas que deveria ser o mais tarde possivel. Que fosse quando a minha vida atingisse o ponto máximo da estabilidasde e maturidade, que me permitisse antes de tudo, pôr-me de lado e depois, ser capaz de criar um ser humano de verdade e dar-lhe o melhor de mim - estar à altura de fazê-lo!
Nos primeiros dias que vi o meu filho, choreí porque olhando para ele, sentia-me de certa forma incapaz de responder a tal desígnio! Sentia-me pequena demais para aquele desafio, mas com o passar dos dias, o instinto maternal e o irrepreensível amor do pai que estava sempre a meu lado, desmistificou o meu sentir. Os receios deram lugar a uma infinita felicidade e à certeza de que um filho faz-nos crescer e torna-nos do tamanho necessário, preenchendo-nos dos maiores sonhos e da esperança mais doce de que tudo será enfim, perfeito!
Mas nem sempre é assim, numa grande parte da vezes não é assim... e pelos mais diversos motivos, o sentimento que mais pesa apartir do momento em que nos tornamos mães/pais, é o da preocupação. Uma preocupação constante que incomoda, que por vezes angustia e contra a qual temos de lutar para tentar manter menor que nós, sob pena de facilmente descompensar-mos. Poucas coisas têm a capacidade de me "abanar" como aquelas que se relacionam com o meu filho... Ele è sem dúvida o meu grande "calcanhar de Aquiles".

Há dias, ouvi da boca de uma amiga (uma excelente mãe de 2 crianças ditas normais), que se soubesse o que sabe hoje, nunca teria tido filhos! No momento que ela me disse estas palavras, rebenteí de alívio e expurgueí-me das culpas de algumas vezes em silêncio, também pensar assim! Afinal não sou só eu que tenho este tipo de  pensamento.
Nesta pequena conversa de amigas percebi, acima de tudo, que  não sou assim tão diferente... Afinal de contas há outras mães que sentem como eu  e não tem nada a ver com a diferença que possa existir.
Posto este desabafo mútuo de amigas e mães, concluímos que um filho é sempre um filho seja ele como for e se somos mães de verdade - de corpo e alma, a preocupação perseguir-nos-á sempre, apartir do momento em que ele é concebido! 

Claro que à parte destes desabafos, ter tido um filho, também significou para mim, (e concerteza para todas as mães), a honra de saborear um amor maior!
Creio, aliás que é o MAIOR AMOR de todos no mundo, e apesar das preocupações, daria facilmente a minha vida por ele!

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

RESET

Passadas as festividades, e já com a poeira assente, retornam a tranquilidade dos dias banais e o conforto de poder de novo aproximar-me do mundo mais normalizado. Confesso que por uns dias fugi o mais possivel, e esperava que de novo a inspiração me invadisse, para poder escrever com gosto tudo o que me vai na alma na sua vertente mais optimista. Mas não tem sido assim, a cabeça fervilha como sempre, mas nem sempre de coisas que me pareçam merecedoras partilhar. Nada de relevante, apenas a rotina dos dias que correm demasiado rapidamente com as mesmas preocupações, receios e algum desencanto extra,  motivado em parte pelo meu "estupido" interesse em noticias, actualidades e outras vidas que me rodeiam e das quais seria optimo que eu conseguisse desligar de vez em quando. Como não o faço e ainda lhe acrescento os meus proprios anseios, a coisa complica-se sobremaneira cá dentro e o cenário não brilha como eu gosto.

Preciso fazer um reset, para equilibrar esta luta de forças, e voltar de novo a encarrilar naquele caminho de luz e cor que sempre me caracterizou, chovesse ou fizesse sol.  No fundo, pouco podemos fazer contra o clima da vida - sempre existirão dias de chuva e de sol - a diferença somos nós que fazemos através dos olhos com que vemos as coisas... (Mas o pior é que não tenho a certeza absoluta desta máxima).  
 
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