quinta-feira, 30 de setembro de 2010

FILME DO MAR

Chegadas as rotinas do novo ano lectivo, assentam de novo as poeiras do reboliço das férias grandes. As cores dos dias, começam a fazer-se de outros tons, e as minhas horas parecem agora ter mais minutos. Nesses minutos vou arrumando os caixotes das recordações que ficaram lá atrás, organizando o arquivo dos caminhos já percorridos, e sonhando com os que teremos para percorrer, lá mais para a frente.
Retenho-me numa foto do meu filho rodeado apenas da imensidão do mar, e começo a sintonizar-me num filme...

- Sinto-me a vê-lo de longe frente ao mar, como que pelos caminhos da sua própria vida. É corajoso, tanto quanto é ingénuo! Entra na àgua fria e desafiante, como quem tem a situação controlada. Entra e sente-se feliz. O sol brilha intensamente, aquecendo o seu corpo, fortalecendo-o para os mergulhos que vai dar. Avança corajosamente, preparando a cada onda, um salto que o faz ultrapassar com sucesso, os obstáculos que vão surgindo. Consegue fazê-lo e vai por isso sorrindo, e rindo, e rindo... Ao longe consigo ver a bravura do mar que o seduz, que o convida a ir mais além, mas o Vasco não tem pressa... o mar estará sempre por ali à sua espera, basta que saiba apenas saltar sózinho a cada onda, basta que o sol brilhe sempre para o confortar e basta que o mar apenas o chame para brincar.
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... É que na realidade o tempo passa e com ele vamos ter de ir deixando o Vasco fazer sózinho, frente ao mar.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

INCONGRUÊNCIAS


Não é fácil manter uma postura optimista, neste mundo cada vez mais louco! Situações de vida que vou conhecendo, geradoras dos meus mais conflituantes pensamentos. Às vezes dou comigo num embróglio tão grande de dúvidas filosóficas e quase existênciais, que quanto mais penso, menos conclusões tiro.
Por norma, sou adepta de uma linha de pensamento que coloca no ser humano, a insatisfação como estado permanente - o que faz com que nunca se esteja contente, seja qual for a condição. Ora, este sentir limita os eventuais momentos de felicidade que todos poderíamos usufruir mais, caso tivessemos capacidade para apreciar as coisas belas da vida. Como, por regra damos grande ênfase aos "fados" que encontramos pelo caminho e às coisas que não temos, desvalorizamos os milagres diários com que também somos premiados. Parece uma conta simples de fazer.
Páro para reflectir um pouco melhor, e logo se me avolumam outras hipóteses mais complicadas, mas tão ou mais legítimas que a anterior... E sinto-me enfraquecer nas convicções. Se me deixasse ficar por ali, a conta estava feita e o resultado apurado - voltar-me-ia assim para a minha vidinha (que já me dá que fazer) e pronto cada qual tem as suas doses.
Mas este meu questionar incessante, inerente à minha pessoa, leva-me quase sempre a OLHAR para os lados e a VER um pouco melhor as razões dos outros.
Como não tenho grande estaleca para o sofrimento alheio, claro está que tenho dias que caio por terra, sinto dores que não são as minhas,(somadas naturalmente às minhas), e sinto-me tentada a desistir desta mania de parar para pensar e olhar para os outros.
Depois ralho muito comigo e digo-me que afinal não tenho o tamanho que às vezes julgo, que sou uma covarde quando penso em virar as costas a quem precisa só porque me "incomoda" a alma; que tenho muito a crescer e a aprender sobre solidariedade... Ralho mesmo muito comigo e digo: O que seria de quem precisa, se todos se "incomodassem" como tu, se todos tentassem "fugir" como tu?
Aí, olho-me ao espelho e sinto-me desarrumada por dentro... Respiro fundo, sorrio e lá parto mais uma vez, rumo a outras tentativas de compreensão e apoio que gosto de dar aos outros, porque também sabe bem receber.
De facto, cada vez mais, dou o braço à palmatória e entendo que a tal insatisfação das pessoas, por vezes não é assim tão infundada. É que Ouço histórias e relatos de outras vidas - absolutamente impensáveis - e pergunto-me como me sentiria eu neste filme? Teria o mesmo optimismo? Aquele optimismo que defendo como melhor opção de vida?
Mas porque raio tenho eu de olhar para os lados para fazer "voluntariado"? Será por educação? Será defeito? Estareí inconscientemente a tapar as minhas dores, ou é mesmo feitio?
Vejo tudo à minha volta a desmoronar e mesmo estando "inocente" e sendo alheia aos casos, roí-me a consciência, a tranquilidade ...
Como posso sentir-me optimista e feliz, quando de uma perspectiva diferente da minha, muitas pessoas sucumbem neste momento às suas realidades, mesmo por baixo do meu nariz? Como posso receitar optimismo, a quem rastejando sobrevive, no meio de verdadeiras trovoadas?
Através dos meus olhos, procuro sempre ver o belo, a bondade dos que a têm, o milagre de estar viva, de ter uma casa, comer, poder ter amigos, e uma familia maravilhosa.
Atraves dos meus olhos, como milhares de pessoas, não tenho emprego mas penso nisso como uma oportunidade para fazer coisas que gosto, para dedicar-me mais um pouco aos outros, para estar mais tempo com o meu filho, para ler, aprofundar conhecimentos... (e tudo se há-de arranjar).
Através dos meus olhos, e ainda que o meu Vasco tenha Autismo, só consigo ver aspectos positivos nele, e acredito que o futuro também me trará alegrias como hoje, e que as coisas vão melhorar na sociedade, porque antes já estiveram bem piores...(Procuro nunca ver o que não tenho - não sei se porque tenho muito, ou se porque valorizo o pouco que tenho).
Direccionar os olhares para o lado mais negro, parece-me apenas uma "opção", tão razoável como dirigi-los para o melhor lado... São ambos igualmente reais porque penso que tudo tem dois lados, pelo que não se vive na mentira ou ilusão por preferir um deles... Acho que devemos escolher aquilo que nos faz sentir melhor, porque a vida é curta, é única (até prova em contrário) ... Acredito que estamos aqui para viver, (evitando sobreviver).
Vasculho as possibilidades todas e claro que sempre tenho as minhas respostas, porque não me quero desviar de mim - da minha essencia, nem que tenha de vasculhar o tempo todo.
Sei que apesar das duvidas, no dia seguinte voltareí à carga, sorrindo com o meu optimisto natural aos que me rodeiam e que eventualmente pareçam estar a precisar de uma lufada de ar freco ... mas ao mesmo tempo confesso que também receio que o justificado negativismo de tantos que me rodeiam, acabe por me fazer vergar.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

UM DIA DE CADA VEZ


No outro dia, dei comigo, a observar o meu filho, e pela primeira vez, a pensar séria e profundamente, como podería vir a ser o futuro... O dele, o nosso.
Foi como se a minha cabeça se tivesse abstraído de tudo, desligado dos rótulos, da condição, da crise na sociedade e no mundo, dos nossos caminhos... e num flash materno instintivo e natural, deí comigo a perguntar.
Esqueci-me, porventura, que tal pergunta me devia estar "vedada"... Esqueci-me, por momentos que devo viver é um dia de cada vez. Já o tinha aprendido à muito. Como é que me fui esquecer deste sábio ensinamento da vida? Um-dia-de-cada-vez, feliz pelos exitos já alcançados, grata por ter-mos tanta sorte em tantos aspectos... e viver Só o dia a dia, saboreando-o.
Felizmente o estupido instante foi tão rápido, que não chegueí a "vestir a camisola", e tão pouco tive tempo para reflectir na forma como ela me iria servir se eu tivesse dado largas à dita pergunta.
Dizem que há perguntas que não se devem fazer... E há mesmo.
Sei que posso sonhar, e imaginar. Sei que o meu menino me continuará a dar alegrias a cada dia. Posso-se pensar positivo e esperar ir-mos subindo mais degraus, mas colocar destas questões "difíceis", (que talvez pareçam simples para tantas pessoas), sei bem que não devo.
Mais tarde é que fui avaliar bem, que raio é que me tinha dado!
Talvez fosse porque por vezes, caio naturalmente na tentação de olhar para o meu menino sem "distinção" - "desprezando" um diagnóstico, vendo-o apenas a ele... Talvez para mim ele seja sómente o meu filho e eu a mãe - que conforme tantas outras - se preocupa com o futuro.
Mas lá volteí ao meu bom senso, e percebi a alarvidade deste meu pensamento! As ideias são mesmo assim, e que atire a primeira pedra, quem não se "desvia da sua linha", algumas vezes na vida. (São uma espécie de brancas que nos dão, de vez em quando)!
Valeu-me o seu maravilhoso sorriso, valeu-me aquele brilho nos olhos e uma montanha de abraços e beijihos bem repenicados, para me trazer de volta à terra, sentir-me feliz e no fim das contas, concluír:
Que orgulho é ter um filho que mesmo com as suas limitações, tem tantas capacidades! Como quando neste meu momento de "abstração", me chamou à razão, apenas no silêncio das suas expressões, dos seus abraços, dos beijos e toda a sua alegria;
Tantas capacidades, como quando no esforço das suas conquistas me vai permitindo sonhar e ser feliz...
Este filho tão especial que tem revolucionado a minha cabeça, (que em tempos era tão mais superficial), e me faz capaz de ser esta mãe abnegadamente dedicada, que eu hoje sinto, ter conseguido ser.
Por ele, sinto-me tantas vezes especial!!!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

PEDRA NO SAPATO

Tenho dormido pouco... O dia passa rápido, sempre ocupado por todas as solicitações de atenção, por parte do Vasco. Não há grande margem para as minhas coisas - aquelas que chamo de só minhas, como tomar um simples banho completamente descansada, ler, escrever, tratar de assuntos que me digam respeito. Durante o dia, definitivamente, não há tempo. O Vasquinho quer-me a todo o instante. Excusado será dizer que esse facto muito me agrada, porque contraria o aspecto autista de um certo gosto pela "solidão", mas em certas alturas, esgota-me. É quando chega a noite, que tenho alguma hipótese de entrar no meu espaço - muitas vezes retirando-o ao pai Miguel. È uma fase... nem sequer é má, apenas é demasiado exigente. Tenho alturas que penso que até já o Vasco estará um pouco "saturado" de mim, e desta rotina das férias escolares com a mãe, (que começa a ver esgotadas as actividades possiveis de fazer com ele). As férias são demasiado grandes. Lembro que eu adorava a escola e quando se aproximava a data do seu iníco, ficava sempre muito ansiosa pelo dia. O Vasco deve sentir como eu sentia... ou parecido, porque lhe noto saudade. Pede-me trabalhos: cópias, contas, e tarefas - tal como faz na escola - e eu feliz da vida vou-lhe dando essas actividades conforme posso e sei. Fico imensamente feliz quando vejo que lhe agradam os exercicios e que inclusivamente os vai melhorando e aperfeiçoando, cada vez mais, com gosto. Mas a intervenção técnica (das suas professoras) em meio escolar é vital para que prossiga neste caminho de desenvolvimento das aprendizagens curriculares (de acordo com as suas capacidades) e sociais (integração com outras crianças e comunidade). Por tudo isto, desejo o início escolar, mais que sempre.
Entretanto, os dias passam e as noites são muito pouco dormidas... é normalmente à noite que tenho licença para vir até ao meu "mundo" e estar a sós com os meus pensamentos, mas o sono começa rapidamente a vencer-me e não posso ficar acordada comigo, toda a noite - como eu queria. Mas não me queixo, porque a verdade é que vou dando conta da missão, apenas (e não é pouco), tenho uma "pedra no sapato" - por sinal uma que me magoa bem fundo e fininho no pé. É o tempo que não tenho para estar com o pai Miguel... Não consigo dividir-me mais, e não tenho capacidade de prescindir dos meus bocadinhos, sem sentir que começo a ficar "demente"... preciso deles, mas preciso igualmente dos nossos momentos a dois e não tenho sabido como o fazer. Espero que o pai Miguel me perdoe e acima de tudo que me compreenda, as coisas encarrilarão em breve, outravez.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O SISTEMA


... Setembro. A escola está prestes a iniciar. Percebo saudade nos sentimentos do meu Vasco, e alegro-me com isso. É revelador do ambiente acolhedor que apenas os puros afectos, são capazes de proporcionar a uma criança. Comecei a prepara-lo para o incio da escola, e não tenho tido nenhuma dificuldade com ele; até me parece que está radiante com a ideia. Espera ele, encontrar a mesma sala, os mesmos colegas, as mesmas professoras e técnicas externas de apoio à unidade de ensino estruturado. Não lhe passa pela cabeça que alguma destas situações, possa vir a sofrer alteração. Na minha também não cabe esta ideia, mas sei que é possivel e é isso que todos os inicios de cada ano lectivo temo. Não é preciso ser especialista para entender que com estas crianças especiais as pessoas importam e MUITO, particularmente se o caminho se tem feito de sucesso e empatia.
Receio e a 12 dias do inicio escolar não sei se é cumprida a "regra do superior interesse da criança", com a manutenção de todos os componentes, nas mesmas circunstâncias, de modo a dar-se continuídade ao trabalho já feito.
Mais um ano, mais aprendizagens - assim o espero - não de forma ansiosa, mas bastante ciente de que estes anos são fundamentais para a sua vida futura. Aprenderá por certo, durante toda a sua vida, mas está comprovado que nas fases mais precoces destas crianças (ouvi de um médico, que até aos 8, 9 anos), o investimento terapeutico e educativo reveste-se de importância vital e pode fazer uma grande diferença na vida adulta. Nas minhas mãos está uma parte... procuro dar o meu melhor. Nas mãos da escola está a outra parte - talvez a outra metade de um puzzle que completa a possibilidade dele vir a ter uma vida o mais independente possivel. Não é pouca coisa! Acredito piamente nas mãos que apoiam o meu filho para esta missão - porque felizmente tal como eu, sei que dão o seu melhor a cada dia, mas o tempo é definitivamente este... agora - o Vasco fará 9 anos durante este ano lectivo, é preciso manter a mesma dedicação (desta não duvido) e as mesmas CONDIÇÕES - o sistema não deve minimizar esta questão, sob nenhum aspecto.
É que o tempo não pára e estas crianças não podem esperar pela suposta evolução de algumas mentalidades, nem podem ficar à mercê dos sistemas que funcionam mal ou das condições existentes que nem sequer chegam para todos, sob pena de se comprometer o seu futuro e o das suas familias. Preocupo-me imensamente com todas as crianças que esperam por melhor sorte, por melhores mãos... preocupo-me na certeza de que muitos adultos "diferentes", que vivem hoje em grande sofrimento e com vidas perfeitamente dependentes, tiveram também o "sistema" como "carrasco"... e questiono-me até quando haverão histórias assim? Bem sei, e é certo que as coisas evoluíram imensamente: os meios, a ciencia, as técnicas, a sociedade, a informação, a partilha... Mas atenção que mesmo assim, a nota é insuficiente porque persistem notícias de discriminação, negligência, de falta de ética e moral, de falhas enormes no sistema, (sempre o sistema)...

Na verdade, e por todas as histórias de vida que tenho vindo a conhecer nos ultimos anos, não há duvida que a diferença, a deficiência ou as necessidades especiais, não são ainda encaradas com o respeito e a seriedade que merecem. Enquanto existir uma só história destas, não posso sentir-me tranquila - obviamente, por força da minha experiência própria - mas também me custa a perceber, como podem outros sentir-se bem... Por exemplo, aqueles a quem a vida não premiou com nenhuma grande dificuldade deste género e que deveriam agradecer esse facto, apoiando quando há oportunidade, mas que ao invés se vão pondo sorrateiramente à margem, como se não fosse nada com eles, ignorando; ou pior quando passam ao ataque porque se sentem incomodados com a diferença... Mas sobretudo questiono-me, como podem sentir-se bem, aqueles que vão conduzindo o dito Sistema, com responsabilidades acrescidas, alimentando-o sempre do mesmo "cozido á portuguesa" que já enoja, enjoa e doí profundamente, nas familias que vão sendo vítimas dele!
 
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